22 de outubro de 2009

Durante o percurso para casa.

Naquela noite, durante o habitual percurso solitário para casa, Elisa encontrou um companheiro de caminho. Depois de ele a ter ultrapassado, logo que se afastaram da saída do metro, caminhou sempre uns passos à frente dela. E Elisa seguiu atrás, inevitavelmente, pois caminhavam na mesma direcção. Durante o percurso, foi observando, com um interesse quase científico, aquele rapaz franzino. A estrada molhada inspirava mais cuidados do que o normal - tinha chovido muito e uma série de obstáculos minavam o percurso - mas Elisa reparava, fascinada, que aquele rapaz se esquivava com uma delicadeza impressionante das armadilhas da intempérie. Ela já metera por duas ou três vezes a pata na poça, sobretudo porque não tirava os olhos daquela figura, de que não conhecia a cara, mas cujas costas estudava pormenorizadamente. Nas costas da long sleeve bege uma inscrição em letras brancas era ocultada por um pequeno saco cinzento pendurado sobre os dois ombros, claramente com pouca coisa dentro. Elisa já percebera que a inscrição estava escrita em inglês, mas depois de alguns passos a tentar ler o seu conteúdo, desistira. Concentrara-se nos jeans de ganga escura, tão direitos que pareciam acabados de passar a ferro. Ela reparava, inclusive, que um vinco vertical ao longo de cada uma das pernas das calças aparentava um mazelo estranhamente invulgar em calças de ganga. Ele não usava jeans rasgados, manchados, desbotados ou amarrotados como agora se via em tantos outros da sua idade. Ele não caminhava desleixado, como a rapariga que o seguia e que, sem ele saber, o admirava. Aquele rapaz, a quem Elisa não não dava mais de uns 20 anos, caminhava como se atravessasse a passerele de um dos desfiles glamourosos de Paris ou Milão. Num balouçar de ancas ritmado, deslizava sobre a rua molhada, enquanto segurava o chapéu de chuva na mão direita. Como não chovia, o chapéu permanecia fechado na sua mão, como uma batuta que marcava o ritmo daqueles passos. E Elisa, enquanto o seguia, não conseguia evitar o pensamento de que era ele, de eles os dois, o que tinha maior elegância no andar e singela delicadeza. Inevitavelmente, Elisa tentou imitá-lo, imprimir a elegância daquele rapaz no seu próprio andar. Se alguém os via, julgava que ela gozava com ele. Mas não era isso que ela fazia. Ela, genuinamente, admirava-o. Tudo nele a fascinava, sem ela perceber exactamente porquê. E seguiram os dois assim, ao longo dos quinze minutos de percurso. Em alguns momentos, Elisa tinha a certeza de que ele suspeitava do que ela fazia atrás dele (e parecia-lhe até que exagerava na elegância do andar só para a deixar mal). Mas nem por isso ela se inibia do que fazia nas suas costas. Aquele encanto só cessou no momento em que os caminhos deles de separaram. Elisa viu-o seguir em frente, entristecida por ter de virar à esquerda. E olhou-o em sinal de despedida, embora só ela se despedisse. Foi quando reparou no derradeiro pormenor que a fascinou. No pescoço, o corte de cabelo daquele rapaz não terminava a direito, numa linha recta convenientemente traçada para separar o couro cabeludo do pescoço. Naquele rapaz, tão diferente de tantos outros, o corte de cabelo terminava com um capricho de barbeiro e dele próprio, certamente. Um capricho em forma de rabicho de cabelo colado à nuca que pendia sobre o pescoço, não demasiado grande para se notar, mas o suficiente para marcar a diferença. A Elisa lembrou-lhe um bonito pormenor num móvel de estilo vitoriano. Um móvel trabalhado e sumptuoso, que nunca está realmente deslocado do seu tempo pela beleza e elegância que transmite a quem o admira. Aquele rapaz, se fosse uma peça de mobiliário, tornaria qualquer sala mais bonita. Tal como tornou o percurso de Elisa para casa, na noite em que ela o encontrou.



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