28 de abril de 2009

Em vésperas do dia da mãe...

Uma mãe e uma filha caminhavam apressadas na rua. A mãe ia um pouco mais à frente e a filha tentava, a custo, acompanhar-lhe os passos. Pela pressa, pareciam dirigir-se a um autocarro prestes a chegar. Mas não se sabia. Quer dizer, a mãe sabia. Ela caminhava a passos largos para o destino, tinha-o bem focado pela pressa no olhar. Já a rapariguinha, a filha dela, focava apenas as costas da mãe, enquanto caminhava no seu encalço. Tinha dez anos, pouco mais, e seguia a mãe o melhor que podia, com a desenvoltura de que era capaz. Estava bem ciente da sua missão: não atrasar a mãe, que seguia à sua frente sem olhar para trás.
O esforço da rapariguinha em alcançar a mãe fez com que ela tropeçasse nos próprios pés e, inevitavelmente, caísse. CATRAPUM!!! O estrondo da queda chamou a atenção das pessoas em volta, que se viraram na direcção da rapariguinha caída. No chão de alcatrão, a rapariguinha olhava novamente para a frente. Tinha as mãos feridas e, pela sua expressão, a queda magoara-a. Mas a rapariguinha aguentava as lágrimas, o melhor que podia - como sempre fazia. Estava preocupada com a mãe. A sua queda atrasava-a. E, dividida pela dor e pela culpa, permaneceu ali, caída no alcatrão frio. Eis que a mãe, finalmente, estranhou o burburinho à sua volta e olhou para trás. Viu com espanto a filha caída, com as mãos feridas pelo alcatrão.
Seria de esperar que aquela mãe, como qualquer mãe, corresse para a sua cria, confortando-a e tentando aliviar-lhe a dor, que se tornara entretanto uma dor partilhada. Seria de esperar uma atitude de mãe. Mas, tristemente, nem todas as mães são, verdadeiramente, mães. E aquela não o era. Era uma mãe de mentira - tinha o título, mas faltava-lhe a virtude. Portanto, aquela "mãe" ficou exactamente onde estava. Quieta. E, a 100 metros da sua filha caída e magoada, gritou a plenos pulmões:
- Olha lá, tu estás parva?! Mas tu estás parva? Estás parva?

O olhar da rapariguinha encheu-se então de lágrimas. Certamente, a queda não lhe havia doído tanto quanto aquelas palavras. Mas ela talvez até já as esperasse assim - duras como o alcatrão. Ela própria estava a aprender a ser dura. Pelo menos foi o que pareceu, naquele instante. Quando ela limpou as lágrimas e se ergueu, corajosa. A rapariguinha tentava ignorar a dor que sentia e voltou a seguir a mãe, com o mesmo afinco de antes. É que alguns filhos precisam criar defesas que outros filhos não precisam. E aquela filha precisava.

27 de abril de 2009

A vida é simples.



Sherlock Holmes e Watson vão acampar. Montam a tenda e, depois de uma boa refeição e uma garrafa de vinho, deitam-se para dormir. Algumas horas depois, Holmes acorda e diz para o seu fiel amigo:

- Meu caro Watson, olhe para cima e diga-me o que vê.
Watson responde:
- Vejo milhares e milhares de estrelas.
Holmes pergunta:
- E o que é que isso significa?
Watson pondera uns instantes e depois enceta uma resposta:
1. Astronomicamente, significa que há milhares e milhares de galáxias e, potencialmente, biliões de planetas.
2. Astrologicamente, observo que Saturno está em Leão e que teremos um dia de sorte.
3. Temporalmente, deduzo que são aproximadamente 03 horas e 15 minutos, pela altura a que se encontra a Estrela Polar.
4. Teologicamente, posso ver que Deus é todo-poderoso e nós somos pequenos e insignificantes.
5. Meteorologicamente, suspeito que amanhã teremos um dia de sol. Correcto?
Holmes fica um minuto em silêncio e depois diz:
- Epá, oh Watson, você não vê simplesmente que nos gamaram a merda da tenda?!
[Moral da história: A vida é simples, nós é que a complicamos.]

23 de abril de 2009

Rabanada à la Freeport

Miguel Sousa Tavares explica, a propósito do caso Freeport, como fritar um Primeiro Ministro em lume brando.
Pergunto eu: José Sócrates é passado por ovo batido e no fim envolvo em açúcar e canela?
Nham, nham...

Tem que dar a receita completa, sr. Miguel Sousa Tavares. E, já agora, dar a provar. Ora pois.

O amor é cego: cliché ou paradigma canino?


-->
Há expressões que, de tanto as ouvirmos, soam repetitivas e desprovidas de conteúdo. Ganham o estatuto – pouco digno, convenhamos – de cliché. A personificação do amor, atribuindo-lhe o carácter de cego é exemplo disso mesmo. Quem não ouviu já a expressão “o amor é cego”? E quem, à luz desta expressão, não olhou já para a Bárbara Guimarães e Manuel Maria Carrilho e pensou “bolas, a expressão assenta-lhes como uma luva”?
“O amor é cego”, isto! “O amor é cego”, aquilo! Analisemos então alguns dos significados possíveis da expressão. Para uns, amar cegamente significa nutrir um sentimento por alguém nitidamente menos dotado física ou mentalmente, mesmo que esse alguém seja o Frankenstein. Basicamente, o maior paradigma disso – logo a seguir à Bárbara Guimarães e ao Manuel Maria Carrilho – é a história da Bela e do Monstro. Para outros, amar cegamente pode significar só ter olhos para essa pessoa, independentemente das suas características físicas ou mentais. Neste caso, haverá uma devoção tal a quem se ama que não restará qualquer margem para apreciações a terceiros. É como se toda a atenção permanecesse focada naquela pessoa que, de peito cheio, dizemos amar. Neste caso, os exemplos serão pessoais e subjectivos, pois cada um saberá de si. Cada um dirá se é adepto de uma ou outra espreitadela mais afoita a alguém do sexo oposto ou se nem por isso. Gostos são gostos e não se discutem. Há, no entanto, um exemplo da cegueira do amor que julgo abranger todas e quaisquer definições já inventadas ou ainda por inventar: a malfadada relação entre o príncipe de Gales e Camila Parker-Bowles. Se esses dois não são cegos, venha o diabo e escolha!
Interlúdios à parte, falarei, agora sim, do que me levou a escrever sobre um chavão tão calejado como “o amor é cego”. Julgo poder ressuscitar esse lugar-comum que, de tão usado, se tornou balofo. Creio ter descoberto uma nova manifestação da expressão, mais nobre, canina mesmo. A Íris – reparem na ironia do nome enquadrado nesta crónica – é uma husky siberiana que tem tanto de pêlo preto como de branco. Os olhinhos azuis clarinhos sempre foram o ponto forte do seu book, qual modelo nórdica de suster a respiração. Quem conhece a raça, sabe que cães como a Íris são bastante carinhosos. E a Íris é, claro está, a luz dos olhos do seu dono. Constantino tem a cadela desde os tempos de secundário – e atenção que hoje é homem de barba feita. Ainda a cadela era bebé, já rebolava na areia da praia em frente à casa de Constantino, alinhando nas brincadeiras dele com os colegas. Era o centro das atenções. O orgulho daquele dono na cadela era imensurável e a Íris sabia-o. Usava-o em seu favor até. A alegre husky e Constantino eram inseparáveis. Pelo menos até à viagem de finalistas do 12º ano. Constantino acabava o secundário e partia com os colegas para Benidorm, destino clássico e incontornável de qualquer viagem de finalistas que se preze. Os olhinhos de Íris entristeceram. Naquela semana em que Constantino esteve longe, a cadela não comeu. Passou todo o tempo deitada na cama do seu dono e tomou a liberdade de lhe rasgar as roupas que lhe passavam pelos dentes. Castigava o dono que a abandonara. Sofria com aquela ausência. A mãe de Constantino desesperava ao ver a cadela naquele estado, mas ocultava o estado da pobre ao filho, para não o preocupar. No regresso de Espanha, Constantino encontrou uma cadela mais magra, mas a correr histérica ao seu encontro. Era boa de ver aquela alegria súbita, medida em dezenas de abanadelas de rabo por segundo. Íris depressa voltou ao que era dantes. Recuperou o peso perdido. Já as roupas, essas estavam irrecuperáveis.
Antes que Íris pudesse esquecer o que lhe custou aquela ausência de uma semana, Constantino partia novamente para os Estados Unidos, desta vez por um período de tempo maior. Ia com a mulher e o filho, queria trabalhar por lá durante uns anos, até conseguir pagar o empréstimo da casa que comprara depois de casar. Íris ficava na casa da mãe de Constantino. Voltou a não comer, passava os dias a chorar a ausência daquela pessoa que lhe fazia tanta falta. Os olhos azuis de Íris incharam e incharam até ficarem do tamanho de bolas de golfe. Os olhos de book, em tempos tão bonitos, estavam agora esbranquiçados e aguados, como se Íris neles guardasse todas as lágrimas que tinha para chorar. Ao fim de dois meses, os olhos mingaram, mas nunca perderam aquela camada de vidro esbranquiçado que lhes roubara o azul. Ironia das ironias: Íris estava cega. Existirá maior exemplo de que o amor é cego?
À Íris e ao Constantino - a quem prometi ser a mão de várias estórias de vida. Cá está a primeira.

16 de abril de 2009

Dia Mundial da Voz

Quem melhor do que 'A Voz' para sonorizar este dia?

 

Para todos os que anseiam ter uma voz.

15 de abril de 2009

O que será do coelho?


Não me refiro ao coelho da Páscoa, que nos visitou há bem pouco tempo. Temo por outro coelho. Um coelho que vi recentemente num jardim à beira-rio. Num daqueles dias de sol em que o jardim se enche de gente e cães, lá estava o coelho de que vos falo.
O pequeno roedor cinza mesclado de branco acanhava-se junto a uma árvore, tímido. Parecia querer isolar-se de tanta agitação e não ser notado pelos olhares que o visavam, reprovadores. Junto ao coelho, um homem novo - trinta e poucos anos, não mais - olhava-o com orgulho. Aquele homem não segurava um carrinho de bebé como tantos, nem passeava em família como outros. Aquele homem não corria, não andava de patins ou de bicicleta, não namorava num banco de jardim, não jogava à bola com miúdos, não dormia a sesta sob uma árvore, não olhava o horizonte nem se entretia em leituras. Ao invés, aquele homem observava zeloso o animal que mantinha junto a si, preso por uma trela. E o animal acanhado. Naquele homem que passeava o coelho por uma trela repousavam os olhares curiosos daquela tarde no jardim.
Ora, nos dias de chuva de Abril, preocupa-me o coelho. Fico a imaginar que o dono não o leve a passear quando chove e doi-me imaginá-lo ali, junto à porta, a ladrar e a dar à cauda. O coelho não deve estar feliz. E isso preocupa-me.

Uma espécie de Onde está o Wally, mas bem mais fixe.

Espreitem lá este passatempo da Gasosa. Já acabou o prazo de participação, mas assim só por desporto vejam lá se conseguem descobrir o nome de 75 bandas na imagem? Eu vou em 15... 16, agora mesmo... Com alguma sorte, além das 75 bandas, ainda encontro o Wally. Agora que falo nisto, parece-me ver um pedacinho do seu gorro às risquinhas, ali mesmo por debaixo dos Rolling Stones. Wally can't get no satisfation!

13 de abril de 2009

Sequinhas e boas.

Qual é a única comida que liga e desliga?
- O Strog-On-Off.
O que é que um tomate diz para o outro?
-Tomatas-me

O que é que um tubarão diz para o outro?
-Tubaralhas-me

O que é que uma impressora diz para a outra?
-Essa folha é tua ou é impressão minha?

Diz a massa para o queijo:
- Que maçada!
Responde o queijo:
- E eu ralado!

Dois litros de leite atravessaram a rua e foram
atropelados. Um morreu, o outro não, porquê?
- Por que um deles era Longa Vida.

Porque é que o elefante não pega fogo?
- Porque ele já é cinza.

O que é que a galinha foi fazer na igreja?
- Assistir à Missa do Galo.

Como é que as enzimas se reproduzem?
- Fica uma enzima da outra.

Por que o galo canta de olhos fechados?
- Porque ele já sabe a letra da música de cor.

O Batman pegou no seu bat-sapato social e no seu
bat-blazer. Onde ele foi?
- A um Bat-zado.

Como é que o Batman faz para que abram a bat-caverna?
- Ele bat-palma.

Como se faz uma omeleta de chocolate ?
- Com ovos da Páscoa!

Por que é que na Argentina as Vacas vivem a
olhar para o céu?
- Porque tem 'Boi nos Ares'!

Para que servem óculos verdes?
- Para verde perto.

Para que servem óculos vermelhos ?
- Para vermelhor.

Por que a mulher do Hulk se divorciou dele ?
- Porque ela queria um homem mais maduro.

Já conheces a piada do fotógrafo?
- Ainda não foi revelada.

Como se fala top-less em chinês?
- Xem-chu-tian.

Sabes qual a diferença entre uma lagoa e uma
padaria ?
- Na lagoa há sapinho, e na padaria 'assa
pão'.


Piadinhas bem secas para todos os que trabalham hoje, depois de um fim-de-semana prolongado. Eu incluída. Espero ter contribuído para diminuir o número de suspiros. Ai, ai...

3 de abril de 2009

Linda de Suzi, o alter ego comadresco

-->
Deolinda da Conceição nasceu em Arraiolos, em 1951, tirada das entranhas de sua mãe pelas mãos de sua avó Consuelo – a parteira de Arraiolos. Linda foi um parto difícil. Consta que queria usar o cordão umbilical como estola, mas a intenção foi-lhe boicotada por Consuelo. Linda deve a vida àquela avó e, talvez por isso, sempre se tenha sentido tão ligada a ela. Aliás, dizia-se na terra que Linda era mais filha da sua avó do que da sua mãe. Da mãe Luzia, apenas herdara o tom de pele curtido e o cabelo negro. E do pai António, os olhos castanhos. Só o tom. Porque o brilho do olhar, esse, era todo da avó. Assim como o resto de Linda – a desenvoltura, a sensualidade latina, a vaidade, a irrequietude, a resposta pronta na ponta da língua, a desfaçatez. Nem um traço da timidez e recato de sua mãe ou da sobriedade de seu pai. Os modestos agricultores não podiam ter tido colheita mais díspar que aquela. Espalhafatosa, como a avó Consuelo.
Os serões preferidos de Linda eram passados a experimentar as roupas exuberantes que a avó guardava entre bolas de naftalina ou a ouvir histórias de um passado fascinante deixado em Espanha. Consuelo, una bailarina de flamenco con una carrera extensíssima en los mejores tablaos flamencos de los cafés cantantes andaluzes... abandonara o estrelato por amor a um arraiolense. Casara no Alentejo, deixando em Espanha um passado glorioso.
Diz-se que Linda aprendeu o flamenco com a sua avó, antes mesmo de dar os primeiros passos. E com coisa de 3 anos e pico já animava os bailaricos de Arraiolos e arredores, pisando destemida os palcos das associações recreativas e das cooperativas. A catraia de cabelo apanhado, vestido aos folhos e castanholas na mão figurava nos cartazes como Consuelita, a espanholita de Arraiolos. Sempre acompanhada e dirigida pela sua avó, claro. Já os pais de Linda não se entusiasmavam tanto com a veia artística da filha. Consideravam tudo aquilo um encantamento próprio da idade.
Mas o encantamento não passou com o andar da idade. Adormeceu apenas, logo depois da morte da avó. Aos 13 anos, Linda deixou a terra-natal e partiu para Lisboa, sozinha. Trabalhou como criada na casa de uma família abastada até aos 17 anos, altura em que engravidou de um militar e se viu obrigada a casar antes de a barriga crescer. Com uma filha recém-nascida nos braços, Linda perdeu o marido para o Ultramar e não teve outro remédio senão voltar a trabalhar como criada. Desta vez, e viúva aos 19 anos, Linda arranjou biscate em casa de um simpático casal inglês – Suzi e Paul – que acolheram Linda e a filha como se fossem da família.
A criada do casal inglês conformava-se com o único ofício que julgava saber capaz de fazer, até ao dia em que remexeu nas coisas do passado e encontrou numa caixa as lantejoulas gastas dos seus tempos de Consuelita. O bichinho voltou. Linda queria pisar um palco novamente e decidiu procurar alguém que a ajudasse a recomeçar a carreira interrompida. Calcorreou Lisboa e a persistência valeu-lhe umas quantas actuações em bairros típicos da cidade, por ocasião dos santos populares. Linda, vestida a rigor, dançava o flamenco e interpretava algumas das canções populares portuguesas mais conhecidas. Ao "São João Bonito" acrescentava sempre um sotaque castelhano que fazia sucesso. Era a cantar que Linda arrancava mais aplausos ao público e foi nas cantigas que decidiu apostar. Uns meses depois, escreveu e cantou o seu primeiro e único êxito – “Suzi” – uma cantiga dedicada à patroa inglesa. Sempre que anunciava a canção em palco, Linda dizia: “À Suzi, por criar a minha filha, enquanto eu tento criar o meu sonho”. O êxito da música foi tanto que Linda foi baptizada pelo público como “Linda de Suzi”. E foi com esse nome artístico que deu espectáculos por todo o país.
Quase 35 anos depois de ter descido dos palcos, Linda ainda usa o seu nome artístico e ainda se acha uma grande estrela da música ligeira portuguesa. Todos os dias se veste, penteia e maquilha como se fosse actuar. Porque, como costuma dizer, “não há palco como a vida”. E, por isso mesmo, Linda não descura a sua imagem. Usa sempre acessórios ligados ao flamenco ou às sevilhanas – travessões no cabelo, leques, blusas de cores garridas e muitos folhos. Algumas das coisas que usa pertenceram à avó, outras comprou em lojas dos trezentos e, mais recentemente, nos chineses. Linda nunca foi a Espanha. Adora os tamancos da comadre Pomba e, às vezes, furtivamente, coloca-os nos pés. Está sempre a cantar. Não tem má voz, mas com a idade foi adquirindo “voz de bagaço” e torna-se doloroso ouvi-la, depois de algum tempo. Ainda por cima, Linda tem uma mania irritante: pega nas palavras que surgem em conversa e cantarola musiquinhas a partir delas. As comadres vão aos arames. Linda é fã incondicional de Tony Carreira, Nel Monteiro e Marco Paulo. Adora todos os outros similares – Ágata, duo Broa de Mel, Emanuel, Toy e afins. Só não acha grande piada ao José Cid. Consta que com ele teve um romance mal resolvido numa cabana junto a praia. Quem o diz é a própria Linda, que jura a pés juntos ser a musa do tema vencedor do festival RTP da Canção de 1980 – “um grande, grande amor” - e do tema “Portuguesa Bonita”.
Linda não trabalha. Como herdou a fortuna dos seus ex-patrões ingleses – e só em Vinho do Porto tem para ali uma data de dinheiro – deixou de trabalhar há mais de trinta anos. Pode dar-se ao luxo de cultivar o ócio diariamente, na companhia das suas comadres, com quem partilha mexericos e trabalhos manuais. Enganem-se se julgam que a alentejana de Arraiolos tem jeito para os famosos tapetes. Nunca aprendeu a arte, nem nunca quis – estava demasiado entretida com as castanholas. Actualmente, prefere tricotar o enxoval para a filha – uma quarentona encalhada, para desespero de Linda – e pecinhas de lã de cores neutras para o neto que ainda acredita vir a ter. Entre as restantes comadres paira a dúvida se a filha de Linda não terá outras orientações sexuais - a comadre Pomba até já viu nas cartas outra mulher na vida da pobre - mas o assunto morre na presença de Linda.
As conversas entre comadres funcionam para Linda como uma espécie de Jardim das Estrelas do Júlio Isidro – folclore, gastronomia e cantigas. Não há dia em que Linda não relembre os seus dias de glória. Vive presa a um passado que poderia ter tido e não teve. Tal como a sua avó Consuelo (presença assídua nas conversas das Comadres, ora em moldura, ora num fio porta-retratos que Linda usa ao pescoço).

A minha comadre do palácio das Comadres. As restantes são tão ou mais hilariantes. A não perder, aqui.