16 de agosto de 2009

O sexo e a idade

Um término de fim-de-semana em beleza, com gargalhadas em frente à televisão. Obrigada à jornalista Cristina Boavida pela hilariante 'Grande Reportagem' deste domingo - uma pérola em plena silly season. E obrigada à senhora de 61 anos pelas tiradas geniais ("A melhor idade de uma mulher?! Olhe, é aos 60. Dá tudo por tudo em cada uma... porque pensa que é a última!").

4 de agosto de 2009

4 de Agosto de 2007



Assim que Lina entrou de férias, os seus ombros ficaram mais leves vinte quilos. Alguns meses sem férias bastavam para que ela carregasse consigo o cansaço e as preocupações de uma vida inteira e, desta vez, já lá iam dois anos sem férias.
Nas últimas semanas de Julho, a assistente atafulhara-lhe a agenda de consultas quase sobrepostas e Lina não parava nem para almoçar. Era necessário antecipar todas as marcações de Agosto para Julho, pois, pela primeira vez, a clínica fecharia durante todo o mês de Agosto. A decisão inédita fora tomada em família, como todas as decisões que diziam respeito à clínica Paz, negócio de família. Tratava-se da herança do pai António aos três filhos: Idalina, António e Mariana. Lina fora a primeira a acabar a faculdade e a começar a exercer a profissão na clínica do pai. Dois anos depois dela, seguiu-se-lhe António e, um ano depois, Mariana. Contas feitas, há oito anos que Lina trabalhava na clínica, António há seis e Mariana há cinco. Ali, se fizeram dentistas profissionais e dos melhores especialistas nas diferentes áreas da medicina dentária: Lina em ortodontia, António em próteses e implantes e Mariana em branqueamentos e tratamentos estéticos. Num jantar de família em casa dos papás António e Zita, decidira-se então encerrar a clínica durante o mês de Agosto. Não era difícil chegar a um consenso no seio da família Paz, por isso mesmo o assunto foi resolvido ainda antes do prato principal. Talvez o sobrenome de família ajudasse ao estado de espírito dominante, mas o certo é que a gestão da Clínica Paz era bastante pacífica. Os três irmãos não tomavam uma decisão relevante sem primeiro consultar o patriarca. E não havia opinião por ele dada que não fosse ouvida e seguida com respeito. Afinal, a clínica era o que era pelo bom trabalho que, durante anos, o pai António fizera. Fora ele que deixara instituído o bom nome da clínica. E, graças a ele, a carteira de clientes antigos e fiéis à clínica era tão grande que bastava para pagar todas as despesas e sobejava.
Afonso, filho de Lina, era de todos os netos da família Paz, aquele que maior admiração nutria pelo avô António. Com pouco mais de um ano, depois de papá e mamã, pronunciara com clareza a palavra “vôvô”. Aos três anos, o seu brinquedo preferido era um estojo de dentista, com todos os instrumentos da profissão e bata branca incluída. E era frequente ouvir Afonso dizer que, quando crescesse, queria ser como o vovô António. Nenhum dos outros netos tinha tantas parecenças com o avô António, como Afonso.
Este verão, toda a família voltaria a reunir-se na quinta do Alentejo. A quinta do Alentejo tornara-se, ao longo dos anos, o pouso preferido dos patriarcas, mas os descendentes pareciam não partilhar da mesma preferência para destino de férias. Ora porque ficava sempre algum na clínica em Agosto, ora porque uns iam para fora e outros para novas andanças, ora porque simplesmente não se proporcionava. Este ano, porém, seria diferente. Estava marcado que todos passariam, juntos, uma semana na quinta. A primeira semana de Agosto.
Lina chegara logo no sábado, dia 1. Instalara-se no quarto de sempre e aproveitara para passear e absorver a calma que a quinta vazia lhe transmitia. Em cada canto e em cada objecto, Lina recordava um momento. E relembrava, sobretudo, o crescimento de Afonso. Aquela quinta estaria, para sempre, ligada ao crescimento do seu filho. Os primeiros passos no jardim, os primeiros toques numa bola de futebol, na piscina as primeiras braçadas bem dadas, as sestas no alpendre. Os cinco primeiros anos de Afonso foram vividos também ali, em fins-de-semana espaçados e nos dias de férias que Lina, o marido e o filho iam passando, de tempos a tempos, na quinta. Afonso adorava aquela quinta.
No dia 4 de Agosto, quando já toda a família Paz se encontrava reunida na quinta, Lina saiu de carro, pouco depois do nascer do sol. Só o pai António a vira, do alpendre de casa, acordado pelo barulho do motor. Nessa altura, já Lina ia bem longe na estrada empoeirada. A dez minutos dali ficava a praia mais próxima, e António sabia que era para lá que Lina se dirigia.
Na praia, Lina fixava o olhar na imensidão de mar à sua frente. Desta vez, ao contrário de tantas vezes nos últimos anos, não proferiu palavras de revolta. Não tinha um nó alojado na garganta e os pensamentos já não lhe turvavam a visão. Com uma clareza de espírito tão inédita quanto a clínica encerrar em Agosto, ela limitou-se a olhar o mar. Num silêncio entrecortado subitamente por uma voz masculina familiar.
- Parece que foi ontem.
O pai António acabara de chegar junto dela.
- Sim. Mas já lá vão dois anos.
Ao dizê-lo, Lina olhou o pai nos olhos. Ele reparou e cercou-a com um braço, emocionado.
- Faz hoje, eu sei. E também faz hoje dois anos que não me olhavas nos olhos, como acabaste de fazer.
Lina encostou a sua cabeça ao peito do pai e permaneceu amparada nele por segundos.
- Eu perdoo-te por me teres resgatado dali, papá.