Era uma vez um homem-monstro que queria arquivar a vergonha num dossier azul. Ele queria prender com argolas as monstruosidades de uma vida. E depois deixá-las numa estante, a ganhar pó, arrumadinhas em micas e organizadas por 24 separadores. Ano 1, ano 2, ano 3 e por aí fora, até ao 24. Os 24 anos em que manteve a filha em cativeiro. E os filhos dela, seus filhos também, engrossariam o arquivo e aumentariam a vergonha daquele homem-monstro, entre micas e separadores. As vidas de inocentes ficariam fechadas no dossier, como haviam estado na cave durante anos a fio. A serem manejadas por um monstro.
Mas há coisas que não se arquivam. Porque são demasiado complexas, não cabem em dossiers, não são catalogáveis ou não tiveram ainda um fim para serem remetidas ao esquecimento. As atrocidades do Monstro não são - nem nunca serão - arquiváveis. Porque, da mesma forma que o pó não assentará na memória das vítimas do homem-monstro, o mundo não permitirá que o pó assente no dossier azul.
Como reconstruir uma vida dilacerada desta maneira? Lamento pelas vítimas desse monstro cuja infância infeliz não justificará jamais o que fez. Imperdoável.
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