1 de novembro de 2009

Chuva de Novembro




Aquela manhã ameaçava ser mais um desastre, uma avalanche de mau-humor no trabalho, um exemplo de manhã a riscar no calendário de tão catastrófica que ameaça ser. Começou mal assim que o despertador tocou e eu acordei com a sensação de que acabara de me deitar. "Malditas olheiras!" Tomei o banho habitual de 5 minutos, shampô, gel de banho, amaciador, tudo praticamente ao mesmo tempo e à pressa. "Vou chegar atrasada mais uma vez, porra!”. Vesti a primeira coisa que apanhei à mão, e claro, tinha de ser a camisola de lã vermelha que me faz parecer cinco vezes maior. "Que chatice! Tenho de me livrar desta camisola", lamentei por todas as tentativas de "camisolicídeo" até então sempre adiadas. Antes de sair de casa, reservei o tempo habitual - o tempo sagrado - para o miminho à auto-estima: a aplicação do creme hidratante, anti-olheiras e anti-rugas. Dêem um Nobel a quem inventou semelhante milagre, por favor! "Perfeito", exclamei ao espelho. "Adeus, olheiras. Olá juventude". Desci os degraus do prédio aos pares, como sempre fazia em manhãs como aquela, e ganhei fôlego para a correria do costume: autocarro, metro, uma caminhada de uns bons 300 metros até ao trabalho, enfim, o dia-a-dia de há dez anos para cá... "Bolas, como o tempo passa!" Mas desta vez, algo de novo. A escassos metros da biblioteca, debaixo de chuva miudinha e com o mau-humor tão cinzento como aquela manhã de inverno, o meu chapéu-de-chuva prendeu-se noutro. "Porra". Viro-me num impulso, pronta a insultar a pessoa que teima em não partilhar o passeio. Já tenho a asneira na ponta da língua, pronta para sair, quando me deparo com uns olhinhos doces numa cara de galã de comédia romântica. "Desculpa", diz-me ele, não vou jurar, mas pareceu-me que em slow-motion. Na minha cabeça, naquele momento suspenso entre gotas de chuva, duas ideias: "maldita camisola" e "ele tratou-me por tu. Será do creme?". O creme ou a camisola, qual iria ter mais peso na apreciação dele? "Estas coisas acontecem", retorqui em jeito de adolescente. Sorrisinho tonto e língua a enrolar as palavras.
Uma hora depois, estávamos no café da esquina, ambiente lounge, muito agradável. Rimo-nos quando passou na rádio o "November Rain" dos Gun's and Roses. Curtimos o som. Bebemos chocolate quente e fizemos gazeta. Ele mandara às urtigas a conferência a que deveria assistir naquela manhã - era patrão, podia fazê-lo. E eu tinha acabado de perceber que o meu futuro emprego seria o de mãe dos filhos dele. Ficámos ali, no Date - é verdade, o café tinha um nome inglês curioso - separados da chuva por um vidro. Ali mesmo jurámos amor eterno sem no entanto o verbalizarmos. O nosso olhar bastava-nos. Falámos do tempo, da minha camisola, de manhãs como aquela. E lá fora a chuva, sempre a chuva.

A chuva que hoje também cai. Até parece que cai para nós. Olho ansiosa a rua molhada e espero nervosa na mesma mesa de há dez anos. Que lugar melhor, senão aqui, para te dizer que finalmente estou grávida. Conseguimos, meu amor. Olha, chegaste. Trazes um ramo de rosas vermelhas. "Amor, já reparaste que está a chover no nosso dia? Como há dez anos atrás?", dizes-me. Eu sorrio. "É verdade, está um dia de chuva perfeito".

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